Não é feitiçaria, é matemática: abordagem adotada em empresas de tecnologia e startups funciona bem quando foco do negócio está em crescimento; conceito é ainda uma forma de maturidade do marketing
Bruno Capelas – Purple Metrics
Atire a primeira pedra o profissional de marketing que nunca gastou horas e mais horas dentro de reuniões discutindo os limites de um orçamento. Agora imagine que, de uma hora para outra, essas reuniões deixaram de existir porque o budget é infinito.
Calma: não estamos falando aqui sobre gastar indefinidamente em marketing sem critério, como se houvesse um “cheque em branco” para qualquer tipo de campanha. Na verdade, o conceito de budget infinito é um raciocínio matemático e estratégico que vem sendo adotado por algumas empresas de tecnologia, marketplaces e startups já em estágio avançado de crescimento.
A lógica é simples: se cada real investido em marketing retorna mais do que custou aos cofres da empresa, não há motivo para limitar artificialmente (isto é, com um valor arbitrário definido pelo CFO) os gastos.
A lógica por trás do budget infinito
Para entender como o budget infinito funciona, vamos partir de um exemplo. Imagine o cenário de uma empresa que tenha 20% de margem bruta de lucro a cada produto vendido – ou seja, se o item custa R$ 100, ele gera R$ 20 de lucro a cada venda.
Na lógica do budget infinito, se o custo de marketing para vender esse item for inferior a R$ 20, a empresa continuará funcionando no azul.
Em muitos casos, um profissional de marketing ficaria satisfeito se conseguisse gastar só R$ 10 para gerar os R$ 20 de margem. Na lógica do budget infinito, porém, a coisa funciona de forma diferente: por que parar apenas em R$ 10? Por que não gastar outros R$ 10 para trazer mais vendas?
Assim, o limite dos gastos de marketing não está no orçamento aprovado no início do ano, mas sim na capacidade da empresa de sustentar esse ciclo financeiro. Ou, como resumiu um executivo que compartilhou essa visão de budget infinito com a Guta Tolmasquim, nossa CEO: “O orçamento de marketing é infinito, desde que você gaste menos do que traz de volta. No limite, é uma questão de fluxo de caixa.”
Estratégia e objetivo importam
Como se pode notar, essa abordagem é bastante específica – afinal de contas, nela a empresa não gera lucro, porque o que ganha está sempre sendo reinvestido. É algo que não vai funcionar em todas as empresas, nem em todos os momentos. O objetivo estratégico da empresa é o que vai ditar como a margem de lucro é utilizada.
- Foco em lucro: algumas empresas podem escolher gastar menos em marketing para maximizar o caixa, se preparar para uma aquisição ou distribuir dividendos.
- Foco em crescimento: outras decidem investir a totalidade da margem na expansão, mesmo que isso signifique reduzir temporariamente a eficiência do ROAS.
No primeiro caso, o budget infinito seria um entrave para os objetivos da empresa. No segundo, porém, ele se torna um motor de crescimento.
Isso acontece porque há uma tendência geral no mercado de que, quanto maior o market share, maior é o consumo de uma marca. Assim, ao investir mais em marketing, a empresa aumenta sua base de clientes potenciais e fortalece sua posição de mercado.
O equilíbrio entre branding e performance
Além do jogo de poder (ou Power Law, para os amantes do inglês), há ainda um outro pulo do gato no budget infinito: o jogo de forças entre os investimentos em branding e em performance.
A cada movimento de expansão de marca – que tende a reduzir a eficiência imediata do investimento – deve corresponder um reforço em performance, que garante que a margem continue sendo respeitada.
É um ciclo dinâmico:
- A marca investe em awareness, ampliando o alcance.
- O ROAS (o retorno sobre investimento em anúncios) cai temporariamente.
- Campanhas de fundo de funil convertem parte desse novo público, compensando o custo inicial.
- O negócio cresce, e o orçamento pode continuar sendo ampliado.
Assim, o budget infinito não é um cheque em branco, mas sim um mecanismo de reinvestimento inteligente.
O caminho do meio
Para quem trabalha em startups, o budget infinito é ainda uma ótima síntese de duas fases do marketing. Durante certo período de expansão acelerada, predominava no mercado o discurso do crescimento a todo custo, com o gasto de grandes percentuais da receita em marketing para ganhar participação de mercado. Após março de 2022, essa lógica sofreu uma correção, com maior foco em eficiência e sustentabilidade.
O conceito de budget infinito representa uma síntese entre essas duas eras. Ele se ancora em métricas de unit economics – como custo incremental de cada venda e margem unitária – para determinar até onde vale a pena investir.
Nesse sentido, a pergunta que todo CMO deveria responder deixou de ser “quanto é meu budget anual de marketing?” e passou a ser “quanto custa cada venda e até onde consigo escalar sem comprometer a margem?”.
Para líderes de marketing, entender e aplicar a lógica do budget infinito significa:
- Dominar os números: saber exatamente a margem por produto e o custo por aquisição.
- Alinhar estratégia e objetivos: definir junto ao CEO e à presidência se a prioridade é lucratividade ou crescimento.
- Gerenciar fluxos de caixa: ter clareza de que mesmo um modelo infinito depende da capacidade de reciclar os recursos investidos.
- Integrar branding e performance: enxergar as duas frentes como complementares, e não como concorrentes.
No fim das contas, o budget infinito não é sobre gastar sem limites, mas sim sobre usar dados e cálculos financeiros para redefinir os limites do marketing. É uma forma adulta e responsável de pensar o marketing – sem precisar ficar pedindo licença para o CFO e ouvir um “na volta a gente compra”.