Marcas e o Tarifaço – quem tem medo de aumentar preços?

13/05/2025

O verdadeiro diferencial em tempos de tarifaço não é cortar custo, é ter pricing power.
Enquanto marcas fracas reagem com pânico, marcas fortes aproveitam a crise para construir vantagem competitiva. Brand equity é o seguro de quem se planejou.

por Marcelo Ferrarini

Marcas fortes vão navegar melhor o tarifaço porque possuem pricing power em seu arsenal.

A guerra de tarifas promovida por Trump colocou o mundo de pernas para o ar. E como ela impacta preços, distribuição e demanda de consumo, tem tudo a ver com marketing. Da cadeira quente do marketing, o que fazer?

Como aprendi nos tempos de consultoria, a resposta vai depender do contexto da sua marca. Ela pode variar de um simples e confortável “nada, continue em curso” para “aumento tático de investimento em brand marketing” ou “desliguem os motores de investimento e preparem-se para o impacto”. Mas, independente da sua posição interna e externa, certamente parte da resposta deve incluir um plano. E esse plano tem a ver com pricing power.

Explico.

A guerra de tarifas afetará as empresas de duas formas. Uma delas será pelo aumento dos custos de insumos, o que reduzirá margens e forçará o aumento de preços. A outra será pela redução da demanda em categorias afetadas, causada justamente pelo aumento de preços e pela redução de investimentos.

Um e-mail do fundador de uma marca de café gelado americana compartilhado e depois divulgado pelo investidor Bill Ackman em seu perfil no X ilustra esse cenário de forma bem prática.

https://x.com/BillAckman/status/1909917884685430908
A group of food on a table

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O que deveria ser feito e o que fazer?

Esse depoimento ilustra o impacto que a guerra tarifária terá em startups e empresas de menor porte. Muitas possuem um colchão de caixa menos confortável e crescimento de receita atrelado à mídia paga de performance, que gera retorno rápido no curto prazo. Em um ambiente de insumos mais caros e demanda reprimida, a capacidade de investimento em marketing de performance e o retorno de curto prazo diminuem. Somado ao possível aumento de preços causado pela mudança na estrutura de custo, a armadilha mortal está colocada. Essa é a maior tragédia dessa história, e a provável resposta será uma redução no investimento em publicidade para se adequar a essa nova realidade, o que já está acontecendo.

A person with a beard

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https://www.ft.com/content/9398abe7-43ce-498c-b9f9-312fcc920520

Apesar disso… “não desperdice uma boa crise”, disse Winston Churchill, e eu vou apostar que outras empresas vão seguir na linha do Primeiro-Ministro britânico. Principalmente aquelas que estiveram em boa fase nos últimos anos e têm reserva de caixa; vale considerar manter ou aumentar investimentos em publicidade. O importante é o foco certo: ao invés de atividades de conversão ou resposta rápida, focar na construção de marca. Isso porque a demanda de curto prazo deve cair, reduzindo a produtividade do marketing de performance. Além disso, competidores em posição menos favorável devem pausar atividades, baixando temporariamente o custo da compra de mídia, que geralmente requer mais dinheiro concentrado em um único canal para construir marca (por exemplo, TV ou um evento). Quando o mercado voltar, sua marca estará em uma posição mais favorável para colher os frutos (lógica semelhante ao que aconteceu na pandemia). É lógico que essa dinâmica varia muito por indústria, e é importante levar essas particularidades em conta.

Por fim, o que você deveria ter feito: investido na construção de marca (brand equity) nos últimos três anos. Brand equity significa duas coisas em termos comerciais: crescimento de receita no futuro (por isso falamos de marca como um ativo) e criação de pricing power.

Pricing power é definido como a habilidade da empresa de aumentar os preços de seus produtos e serviços sem perder uma parte significativa de sua base de consumidores ou market share. O cálculo é relativamente simples e pode ser feito com dados divulgados nos balanços das empresas, caso possuam capital aberto.

A math equation with a line

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GPM: margem bruta de lucro
SD: desvio padrão

Marcas sem pricing power são commodities. E você não quer ver sua marca sendo discutida, considerada ou comprada como açúcar, soja ou minério de ferro.

Se você não se sentiu empolgado, veja o que Warren Buffett tem a dizer.

The Wise Shilling on X: "In times of high and rampant inflation, there's  nothing as powerful as pricing power. Explains why Warren Buffett invested  in Apple. Apple has immense pricing power. $AAPL

Quando empresas discutem investimento em marketing, o foco é predominantemente em crescimento de receita. Quanto X% de aumento no orçamento vai me retornar Y% de crescimento no top line? Eu chuto que esse ponto é ainda menos discutido no Brasil, onde o mercado publicitário possui um viés forte de marketing de performance (assim como nos EUA).

Pouca gente fora do ambiente de consultorias ou de alguns grupos de investidores fala em pricing power, porque o retorno vem de forma menos imediata e no longo prazo.

Ou seja, se você ficar com medo toda vez que tiver que aumentar preços em um cenário inflacionário (tipo um tarifaço), provavelmente é um sinal tardio de que sua empresa possui baixo pricing power. E pricing power é adquirido com investimento em produtos diferenciados e brand equity.

Não é simples, requer orçamento dedicado e paciência, mas é possível com planejamento. Como eu disse, startups e empresas menores podem não ter esse luxo e serão mais severamente punidas.

E aí?

Em resumo, se puder, mantenha o curso planejado pela sua estratégia em 2024 para entregar objetivos para 2025. Considere inclusive aumentar investimentos em brand communications se estiver em uma posição favorável de caixa.

Caso contrário, aperte os cintos, reduza investimentos e administre seu fluxo de caixa. Esse é um ótimo momento para começar um plano de marca.

Sobre o autor

Marcelo Ferrarini é Gerente de Marketing Sênior no LEGO Group, responsável global pela estratégia de go-to-market das linhas de IPs de Entretenimento, incluindo LEGO® Star Wars™, LEGO® Harry Potter™, LEGO® Marvel e LEGO® Jurassic World. Anteriormente, atuou como gerente regional de marca para a Europa Ocidental e como business partner na equipe de Global Insights. Antes de ingressar no LEGO Group, trabalhou por 10 anos na consultoria de gestão de marcas Interbrand, em São Paulo e Londres, onde reside atualmente. É bacharel em Administração de Empresas pela FGV EAESP e professor convidado no curso de Estratégia de Marcas da London Business School.

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